"Um dos meus defeitos de adolescente era não gostar de nada que eu não compreendia, a começar por mim mesma. Até que um dia compreendi que compreender não é tudo. Acho que foi quando assisti pela primeira vez a uma peça do Gerald Thomas.
Vou deixar as piadas de lado, pois tenho gente mais ilustre pra citar. O fato é que queremos, todos, compreender. É irritante não entender o final de um filme, e mais ainda o final de um amor. Pior do que dever dinheiro é ficar devendo respostas para as questões que nos formulamos. Exigimos explicações de nós mesmos, na esperança de que isso nos acalme. Como se fosse possível apreender todo o mistério do mundo, como se houvesse palavras suficientes para denominar todos os sentimentos que nos assaltam.
A sábia Lya Luft, em seu livro 'Histórias do Tempo', escreve que 'o espanto é mais essencial que a compreensão'. Ler isto me fez sentir menos louca, pois me assusto todo dia com algumas reações que tenho e que não combinam com meu discurso: não arranjo verbo para encaixá-las no meu modus vivendi.
Com o tempo, no entanto, começo a perceber que meu lado incompreensível é bastante aceitável. Venho acomodando-me, sem fazer muitas perguntas, no hiato que existe entre o racionalizar e o sentir.As relações amorosas são as que mais nos fazem sofrer diante da incompreensão. Acreditamos que compreender 100% uma pessoa nos dará uma espécie de alvará de soltura: ou iremos amá-la com mais intensidade, ou não amá-la com menos remorso.
Outro escritor gaúcho vem me mostrar o quanto estou enganada. Verso de Fabrício Carpinejar: 'Te compreender não me libertou'. A compreensão oferecida pela psicanálise, pela meditação e pela passagem do tempo nos torna mais seguros, mas não anula o assombro, o susto, a taquicardia que também revela tanto.
Olho para trás e vejo aquela menina que queria entender tudo, com medo de que não coubesse tamanha quantidade de informação dentro de si. Coube e ainda cabe. E quanto mais entra, mais sobra espaço para a dúvida. Compreendo hoje que nunca entenderei a morte, os sonhos, a sensação de dejá-vu e as premonições. Nunca entenderei por que temos empatia com uma pessoa e nenhuma com outra. Não entendo como o mar não cansa, nem o sol.
Não compreendo a maldade, ainda que a bondade excessiva também me bote medo. Por que os hormônios femininos nos deixam tão vulneráveis e nossa pele combina mais com a de um homem do que com a de outro? Acordo todos os dias às seis da manhã, não importa a hora que tenho ido deitar. Minha alma circula por todo o meu corpo, cada dia está num lugar. E Deus, quem será? Religião, arte, vida: não compreender também pode valer o ingresso".
Martha Medeiros
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