Não sou pra todos.
Gosto muito do meu mundinho, e ele é cheio de surpresas, palavras soltas e cores misturadas.
Às vezes, tem um céu azul, outras vezes tem tempestade.
Lá dentro cabem sonhos de todos os tamanhos.
Mas não cabe muita gente.
Todas as pessoas que estão dentro dele não estão por acaso. São pra mim necessárias!

quarta-feira, 29 de outubro de 2008

'o espanto é mais essencial que a compreensão'

"Um dos meus defeitos de adolescente era não gostar de nada que eu não compreendia, a começar por mim mesma. Até que um dia compreendi que compreender não é tudo. Acho que foi quando assisti pela primeira vez a uma peça do Gerald Thomas.

Vou deixar as piadas de lado, pois tenho gente mais ilustre pra citar. O fato é que queremos, todos, compreender. É irritante não entender o final de um filme, e mais ainda o final de um amor. Pior do que dever dinheiro é ficar devendo respostas para as questões que nos formulamos. Exigimos explicações de nós mesmos, na esperança de que isso nos acalme. Como se fosse possível apreender todo o mistério do mundo, como se houvesse palavras suficientes para denominar todos os sentimentos que nos assaltam.

A sábia Lya Luft, em seu livro 'Histórias do Tempo', escreve que 'o espanto é mais essencial que a compreensão'. Ler isto me fez sentir menos louca, pois me assusto todo dia com algumas reações que tenho e que não combinam com meu discurso: não arranjo verbo para encaixá-las no meu modus vivendi.
Com o tempo, no entanto, começo a perceber que meu lado incompreensível é bastante aceitável. Venho acomodando-me, sem fazer muitas perguntas, no hiato que existe entre o racionalizar e o sentir.As relações amorosas são as que mais nos fazem sofrer diante da incompreensão. Acreditamos que compreender 100% uma pessoa nos dará uma espécie de alvará de soltura: ou iremos amá-la com mais intensidade, ou não amá-la com menos remorso.

Outro escritor gaúcho vem me mostrar o quanto estou enganada. Verso de Fabrício Carpinejar: 'Te compreender não me libertou'. A compreensão oferecida pela psicanálise, pela meditação e pela passagem do tempo nos torna mais seguros, mas não anula o assombro, o susto, a taquicardia que também revela tanto.
Olho para trás e vejo aquela menina que queria entender tudo, com medo de que não coubesse tamanha quantidade de informação dentro de si. Coube e ainda cabe. E quanto mais entra, mais sobra espaço para a dúvida. Compreendo hoje que nunca entenderei a morte, os sonhos, a sensação de dejá-vu e as premonições. Nunca entenderei por que temos empatia com uma pessoa e nenhuma com outra. Não entendo como o mar não cansa, nem o sol.
Não compreendo a maldade, ainda que a bondade excessiva também me bote medo. Por que os hormônios femininos nos deixam tão vulneráveis e nossa pele combina mais com a de um homem do que com a de outro? Acordo todos os dias às seis da manhã, não importa a hora que tenho ido deitar. Minha alma circula por todo o meu corpo, cada dia está num lugar. E Deus, quem será? Religião, arte, vida: não compreender também pode valer o ingresso".
Martha Medeiros

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